sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Tentando virar uma Certified Cicerone® (Minha experiência)




Para quem não sabe, Cicerone é um termo antigo para definir aquela pessoa que trabalha como guia de turismo.  Mas como este termo deve estar em desuso, um cara chamado Ray Daniels pensou que poderia usar este termo Cicerone para os Sommeliers de Cerveja. E parece que a idéia deu certo. É só dar um Google para constatar que serão poucas as menções de Cicerone para turismo. O resto é tudo sobre este programa.

Em resumo, o Cicerone Certification Program é uma iniciativa do Ray Daniels para garantir a qualidade de serviço de cervejas. Ele pensou nisso depois de perceber a grande oferta de cervejas especiais de boa qualidade no mercado que estavam sendo servidas indevidamente por problemas de estocagem e serviço. E isso é péssimo. Durante o armazenamento e serviço a cerveja pode mudar completamente, virando uma bebida totalmente desagradável. Assim, o consumidor final fica com uma outra percepção sobre a cerveja. Por isso, essa certificação, em tese, garante que você saiba o mínimo sobre serviço cervejeiro de forma a garantir a qualidade da cerveja.

São três fases para esta certificação: a primeira é o Certified Beer Server que consiste numa prova online, o segundo é o Certified Cicerone® que é uma prova mais intensiva com parte escrita, uma demonstração e uma parte de degustação. E por último o Master Cicerone® que é uma prova de dois dias, mais intensa, com várias partes escritas, várias provas de degustação e provas de serviço.

No mercado cervejeiro norte-americano, atualmente tem sido exigido possuir o Certified Cicerone® para conseguir alguns empregos. Isso demonstra como essa certificação é importante no mercado.

Virar um Certified Beer Server, é bem facinho, para falar a verdade. É só exigido um nível de inglês razoável e conhecimento cervejeiro básico. O Certified Cicerone® é um pouco mais complicado e são provas presenciais. E queria falar um pouco sobre essa prova.




Minha Experiência com o programa:

Eu fiz a prova de Certified Beer Server no começo de julho e passei tranquilo. Como já tinha uma viagem para os Estados Unidos marcada para o final do mês, resolvi ver se tinha alguma data em que eu estaria em alguma cidade onde seria aplicada a prova de Certified Cicerone®. E não é que deu certo?

A prova foi ontem, dia 31 de Julho, quando eu havia acabado de aterrissar em Chicago. Pensei que eu poderia fazer a prova, já que tenho nas costas um título de Sommelier e de Mestre em Estilos em Cervejas. E ter um certificado como o Certified Cicerone® poderia me recolocar no mercado, já que no momento estou desempregada. Aceitei o desafio e há duas semanas me inscrevi para o programa.

A parte mais legal é o suporte dado para estrangeiros, principalmente, se inglês não é a sua língua nativa. Eles podem ter dar um dicionário inglês-"língua nativa" e extensão de 50% do tempo da prova. No meu caso, eles falaram que seria possível me auxiliar com o dicionário, mas que não seria possível extender o tempo porque o local não permitia. (Mas fiquei contente só com o fato de ter um dicionário que ajuda bastante).

Como uma boa procrastinadora, deixei para estudar de última hora. Passei os últimos três dias antes da viagem estudando. No próprio site do Cicerone, eles dão um roteiro de estudo bem completo que ajuda a organizar seus estudos. Mas quando fui ver o conteúdo, soube que 3 dias não seriam suficientes...

A prova foi feita no espaço de eventos de um restaurante em Chicago às 12:00.

Chegando lá, eles checam algum documento para comprovar se você é maior de 21 anos e foi neste momento que recebi o dicionário. Mas já percebi que o dicionário não ajudaria muito a minha pessoa, porque era daqueles bem basiquinhos  (embora meu inglês não seja grande coisa, a maior parte dos termos mais complexos cervejeiros não estão no dicionário, confiem em mim). Eu recebi também um termo onde eu deveria reconhecer que eu sou estrangeira e não tenho conhecimento pleno das regras americanas (o que não ajudou muito porque eram as questões mais fáceis).

O teste escrito é pessoal e consiste em 150 questões objetivas no estilo "responda em poucas palavras" e 3 questões dissertativas. São três horas de prova e é bem cansativo. O conteúdo é basicamente igual às seções do roteiro de estudo e é bem específico. Por exemplo, na seção de estilos, perguntaram sobre uma ale inglesa de SRM 30-40 e ABV 4%-5%.

Das 3 perguntas dissertativas, uma era sobre serviço (descrever sobre as partes do sistema de chope), outra sobre história e características de estilo (minha questão era sobre uma Robust Porter) e por último uma questão sobre processo (a questão era explicar o processo de maltagem e a influência no sabor da cerveja).

Minha percepção sobre a prova escrita, foi que eu sabia responder com menos dificuldade sobre estilos, processo, ingredientes e harmonização. Os cursos que fiz na ABS e no Instituto da Cerveja me garantiram uma boa bagagem nestes assuntos. A parte mais difícil foi a de serviço (sistema de chope, especificamente), porque nunca trabalhei com isso. A prova é em inglês e exige que você conheça alguns termos cervejeiros específicos.

A segunda parte era de demonstração. Confesso que essa foi a prova do demônio justamente porque era sobre serviço de chope. Fui encaminhada para uma sala com uma câmera. Eu havia recebido uma torneira desmontada e deveria descrever como é a limpeza da torneira, apontando quais são as partes e como deveria ser a limpeza. Deveria remontar e sairia de lá. Como eu nunca tinha visto isso, eu simplesmente falei como deveria ser limpado, mas para a vergonha geral da nação, não sabia montar a torneira. (Shame on me que fala isso em público).

E para o meu conforto, a última prova foi a que eu estava mais habilitada a fazer. Era a prova de degustação. Foram 12 amostras a serem testadas e uma de controle. As degustações eram divididas em 3 seções. A primeira era de off-flavors. Era necessário distinguir dentre uma lista de off-flavors quais estavam presentes nas amostras. Essa foi bem tensa e foi onde errei mais. Das quatro amostras uma não tinha nada (foi a que errei, porque achei que estava levemente oxidada), uma tinha DMS, outra tinha Diacetil (errei também porque eu senti acético) e a outra continha Acetilaldeído.

A segunda seção era de identificação de estilos. Foi bem fácil, para falar a verdade, porque fiz o curso de Mestre em Estilos que me deu uma boa bagagem para isso. Eles dão dois estilos e você tem que adivinhar qual deles é o estilo da amostra. A primeira era entre uma Belgian Blonde e American Blonde, a segunda era entre uma Robust Porter e uma Dry Stout, a terceira era entre uma Doppelbock e uma Dubbel e a terceira foi entre uma IPA e Imperial IPA. Nessa acertei todas (pelo menos nisso, né?).

A terceira seção, ao meu ver, era a parte mais interessante da prova. Eles simulam uma situação onde o cliente devolve uma cerveja e você tem que explicar  se a cerveja está adequada para o consumo e, se não, o que está errado ou na cerveja. Eles falam qual é o rótulo e o estilo. A primeira era uma American Wheat da Goose Island, servida na torneira, que estava contaminada. A segunda era uma Pilsner Urquell em lata que estava Ok (mas eu achei que o lúpulo estava velho então coloquei que não estava adequada para consumo). A terceira foi uma ESB da Fuller's em garrafa oxidada e por último uma Saison (não lembro o rótulo).

A impressão geral que tive sobre a prova é a importância que os americanos dão para a qualidade das cervejas e principalmente para o serviço. Muitas cervejarias fazem ótimas cervejas, mas nem sempre essa qualidade chega ao consumidor final. Neste ponto, acho essa certificação muito importante, porque de alguma forma, a prova faz com que as pessoas que trabalham nessa área garantam a qualidade da cerveja. Fiquei pensando que no Brasil a gente talvez não tenha essa garantia ainda. Mas talvez seja a hora de a gente pensar nas razões pelas quais alguns bares e restaurantes não servem a cerveja de forma apropriada para o consumidor final e como isso é negativo para o mercado cervejeiro e também para o próprio consumidor final que não consegue provar uma cerveja de qualidade.

Os cursos de Sommeliers de cerveja são ótimos para nos dar uma base para conhecimento de cerveja. Mas é altamente recomendável fazer um curso de serviço, como esse novo oferecido pelo Instituto da Cerveja. Principalmente sobre limpeza e manutenção de sistema de chope. Muita gente não faz idéia de como isso impacta a qualidade final da cerveja.

Eu tenho certeza que não passei na parte escrita da prova. Mas já descobri onde estão as minhas deficiências. Agora vou estudar mais sobre a qualidade de cerveja e Chope para ser uma profissional que não decepcione os meus clientes.

Cheers!

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